Súmula 145 STF - Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.

Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.

Comentários: imagine se uma agente de polícia, com 600ml de prótese de silicone, usando um decote nada discreto, disfarçada, lhe oferece (com todas as suas artimanhas) fazer um programa sexual, mas de alto valor. Você faz uma contraproposta e ela aceita imediatamente, mas lhe diz: "parado, você está preso!". Isso porque, em sua cidade, oferecer dinheiro por prostituição é tido como crime. Isso não é exemplo de laboratório, é exemplo concreto que ocorre em alguns locais nos Estados Unidos da América. Outro exemplo seria oferecer droga ao sujeito, ele adquire, e você o prende por "adquirir entorpecentes", segundo o art. 33 da lei 11.343. A tudo isso se chama "flagrante preparado". Não se admite em nosso ordenamento, e é isso que diz a súmula 145 STF.

O flagrante preparado nada mais é que a instigação ao crime por alguma pessoa, fazendo com que alguém o cometa. Este instigador, em regra, é um agente de polícia que, ao presenciar o cometimento do ato, prende o "autor do crime" em flagrante. Nada impede que uma pessoa, que sequer é servidor público ou policial, pratique a instigação, visando prender o sujeito instigado. O flagrante pode ser praticado por qualquer um: aos policiais, há o dever; aos civis, há a possibilidade. Não obstante, em um caso ou outro, haveria prisão ilegal, por estarmos diante de flagrante preparado. A súmula se refere unicamente ao flagrante preparado pela polícia, pois é o caso que empiricamente ocorre, entretanto, que fique registrado que o mesmo raciocínio (de prisão ilegal) valerá para qualquer situação de flagrante preparado.

São dois os requisitos para que o flagrante seja ilegal neste caso: a) tenha havido instigação por alguém; b) a consumação do crime no caso concreto é impossível.

O primeiro requisito é bem claro, e os exemplos acima são suficientes para a sua compreensão: a polícia deve instigar o agente, ou seja, a polícia vai fazer parte do iter criminis, é só por causa dela que o sujeito está agindo.

Já o segundo requisito se refere ao fato de a consumação do crime ser impossível, e o será exatamente porque o agente não está praticando uma conduta criminosa, só parece. Como assim? Aquilo que foi feito pela polícia deve ser visto pelo leitor como um teatro, um cenário, uma encenação. Ou seja, não é algo real, o agente está participando não de um crime, mas sim de uma encenação da polícia. Logo, trata-se de crime impossível, por impropriedade do objeto. Neste ponto, continuam as mais didáticas as lições de Nelson Hungria e Fragoso:

"Somente na aparência é que ocorre um crime exteriormente perfeito. Na realidade, o seu autor é apenas o protagonista inconsciente de uma comédia. O elemento subjetivo do crime existe, é certo, em toda a sua plenitude; mas, sob o aspecto objetivo, não há violação da lei penal, senão uma inciente cooperação para a ardilosa averiguação da autoria de crimes anteriores, ou uma simulação, embora ignorada do agente, da exterioridade de um crime. O desprevenido sujeito ativo opera dentro de uma pura ilusão, pois, ab initio, a vigilância da autoridade policial ou do suposto paciente torna impraticável a real consumação do crime. Um crime que, além de astuciosamente sugerido e ensejado ao agente, tem suas consequências frustradas por medidas tomadas de antemão, não passa de um crime imaginário. Não há lesão, nem efetiva exposição a perigo, de qualquer interesse público ou privado (itálico nosso)"[1].

Diferente é a situação do chamado "flagrante esperado". Nesse, a polícia, sabendo da iminência da prática de um crime, se organiza e faz uma tocaia, fica na espera para proceder à prisão de todos em flagrante. Neste caso, não há crime impossível, pois a polícia não agiu no iter criminis, não instigou ninguém ao cometimento do crime, isto é, não há um teatro armado. Pode-se proceder à prisão dos criminosos.

BIBLIOGRAFIA:

[1] FRAGOSO, Heleno Cláudio. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. I, tomo II. Art. 11 a 27. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 107.