Súmula 171 STJ - Cominadas cumulativamente, em lei especial, penas privativa de liberdade e pecuniária, é defeso a substituição da prisão por multa.

Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.

Comentários: como regra geral do ordenamento, as nossas penas restritivas de direitos possuem caráter substitutivo. O que isso significa? Significa que, em regra, elas serão aplicadas em substituição à pena privativa de liberdade que caberia no caso[1].

Como ocorre na prática: o juiz, na sentença condenatória, faz a dosimetria da pena privativa de liberdade; aplica a mesma e fixa o regime inicial de cumprimento de pena; depois disso, preenchidos alguns requisitos previstos na lei, a privativa é substituída pela pena restritiva de direitos; logo, o sujeito não terá a privação da liberdade, mas apenas uma restrição de direitos.

Para haver esta substituição alguns requisitos são exigidos pelo Código Penal, em seu art. 44:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II - o réu não for reincidente em crime doloso;

III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

O nosso foco, contudo, deve estar em saber como o juiz fará a substituição, ou seja, substituirá a privação de liberdade por uma única pena restritiva de direitos? Por duas? Por algum outro tipo de pena?

Então, suponhamos que, num caso concreto, ultrapassamos os requisitos para a substituição (é possível substituir a privativa por restritiva de direitos). Agora, devemos saber que:

  • Se a condenação em privativa de liberdade tiver sido igual ou inferior a 6 meses, pode o juiz substituir por multa.
  • Se a condenação em privativa de liberdade tiver sido igual ou inferior a um ano: a substituição será por uma pena restritiva de direitos ou por multa.
  • Se a condenação em privativa de liberdade tiver sido superior a um ano: a substituição será por uma pena restritiva de direitos e multa; ou por duas restritivas de direitos[2].

E o que a súmula 171 STJ vem nos ensinar? Sabemos que não é apenas o Código Penal a lei que rege os crimes e penas no Brasil. Há diversas leis penais especiais, ou seja, há diversas leis que regulam crimes e penas e estão fora do Código, daí serem chamadas "especiais", pois a matéria que regulam precisa estar à parte, já que carentes de tratamento diferenciado. É o caso, por exemplo, da lei 11.343 de 2006, que trata do crime de tráfico de drogas. O tráfico possui tantas peculiaridades que o legislador preferiu o colocar em uma lei em separado, só para ele. É como se tivesse feito um "Tratado para o Tráfico", já que neste crime teremos toda uma política própria de prevenção, de repressão, possiblidades de crimes sendo cometidos por influência do efeito psicotrópico das drogas proibidas, o que se fazer com a droga que é apreendida pela polícia etc. Ou seja, são todas questões que dizem respeito única e exclusivamente ao tráfico de drogas e, por serem elas tantas, colocar este crime na Parte Especial do Código poderia gerar uma confusão no destinatário da lei, o povo. Então, tudo o que estiver previsto em uma lei especial será aplicado apenas para o objeto que a lei cuida. Tudo o que estiver previsto na lei de drogas, portanto, valerá apenas para o crime de tráfico e os demais ali previstos.

Neste raciocínio, a súmula em pauta vem dizer que caso uma lei especial preveja, para determinado crime, a pena de privação de liberdade e multa, não poderá haver a substituição da privação de liberdade por multa. Isto é: não poderá aplicar a multa (já prevista como sanção autônoma no tipo) somada à outra multa (como pena substitutiva da privação de liberdade). Isso porque, neste caso, o que o legislador especial quis foi dar ao crime duas espécies distintas de pena para responsabilizar o agente. Mudar isso seria legislar, coisa que não pode o Juiz fazer. Vejamos o exemplo do art. 63 da lei 8.078/90:

Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade:

Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.

Cumpridos os requisitos, se o juiz for substituir a privação de liberdade, neste caso, não o poderá fazer por uma multa, já que a lei especial aí quer que, ao condenado, seja aplicada uma pena de multa somada a outra de diferente espécie. Assim, neste exemplo do art. 63, o juiz, se aplicar 8 meses de detenção e for substituir por uma pena, deverá o fazer por uma pena restritiva de direitos, não por multa, já que esta já é prevista como sanção.

Nesta ementa abaixo, temos uma verdadeira aula sobre o assunto, onde se expõe o acima aludido:

RECURSO ESPECIAL N. 36.797-SP (93.0019121-7). REsp. Penal. Pena cumulativa. Pena privativa do exercício do direito de liberdade por multa. As normas integram-se logicamente. Não ocorre mera soma aritmética. Em conseqüência, cumpre levar em conta o significado de cada uma. No tocante às penas, pode ocorrer cominação: a) isolada; b) cumulativa; c) alternativa. Teleologicamente, não se confundem. Cominação cumulativa tem, como antecedente, situação normativa diferente da cominação isolada, ou alternativa. Responde a conduta mais grave, colocando-se em posição oposta à cominação isolada, pondo-se, no meio-termo, a cominação alternativa. O juiz não pode transformar a cumulação (cumulação de espécies) em identidade de espécies (ainda que cumuladas). Não estaria aplicando a pena dentro da cominação legal, em frontal oposição ao princípio constitucional da "prévia definição legal". Cumpre manter o significado de cada categoria normativa.

NOTAS:

[1] Sabemos que há casos excepcionais (não no Código Penal, mas sim em leis esparsas) em que a restrição de direitos está prevista no preceito secundário do crime, como a sanção daquela conduta, sanção única possível, ou seja, sequer se tem a privação da liberdade para ser substituída por uma restritiva de direitos. Assim, nesses casos, não há a característica da substitutividade. Por exemplo, o art. 28 da Lei 11.343/06: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

[2] Nada mais que o previsto no art. 44, §2º CP:§ 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. E no art. 60, §2º CP:§ 2º - A pena privativa de liberdade aplicada, não superior a 6 (seis) meses, pode ser substituída pela de multa, observados os critérios dos incisos II e III do art. 44 deste Código.