Súmula 234 STJ - A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.

Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.

Comentários: a análise desta súmula perpassa por teses que não encontram espaço neste site, especialmente a questão de saber se é ou não o membro do Ministério Público um agente público imparcial. É ele o titular da ação penal pública, representa, portanto, o interesse do Estado em punir. Difícil imaginar o vocábulo "interesse" convivendo em harmonia com "imparcialidade". Entretanto, com o mesmo argumento de ser o dono da ação penal e, considerando a existência de um sistema acusatório de processo penal[1], pode o Ministério Público, em sua denúncia ou recurso, requerer a absolvição ou melhora da situação do réu. Isso porque sua função vai para além de meramente acusar, é defensor de um sistema democrático acima de tudo. Em termos claros: é Promotor de Justiça, não de acusação. Assim, é ele, de uma maneira sui generis, imparcial em seu agir[2]. Este é o primeiro ponto.

Num segundo momento, devemos acrescentar que pode sim o Ministério Público fazer investigação criminal. O RE 593.727 confirma o agora afirmado:

Ementa

Repercussão geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Constitucional. Separação dos poderes. Penal e processual penal. Poderes de investigação do Ministério Público. 2. Questão de ordem arguida pelo réu, ora recorrente. Adiamento do julgamento para colheita de parecer do Procurador-Geral da República. Substituição do parecer por sustentação oral, com a concordância do Ministério Público. Indeferimento. Maioria. 3. Questão de ordem levantada pelo Procurador-Geral da República. Possibilidade de o Ministério Público de estado-membro promover sustentação oral no Supremo. O Procurador-Geral da República não dispõe de poder de ingerência na esfera orgânica do Parquet estadual, pois lhe incumbe, unicamente, por expressa definição constitucional (art. 128, § 1º), a Chefia do Ministério Público da União. O Ministério Público de estado-membro não está vinculado, nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, perante o Supremo Tribunal Federal, em recursos e processos nos quais o próprio Ministério Público estadual seja um dos sujeitos da relação processual. Questão de ordem resolvida no sentido de assegurar ao Ministério Público estadual a prerrogativa de sustentar suas razões da tribuna. Maioria. 4. Questão constitucional com repercussão geral. Poderes de investigação do Ministério Público. Os artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4º, da Constituição Federal, não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público. Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: "O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade - sempre presente no Estado democrático de Direito - do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição". Maioria. 5. Caso concreto. Crime de responsabilidade de prefeito. Deixar de cumprir ordem judicial (art. 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei nº 201/67). Procedimento instaurado pelo Ministério Público a partir de documentos oriundos de autos de processo judicial e de precatório, para colher informações do próprio suspeito, eventualmente hábeis a justificar e legitimar o fato imputado. Ausência de vício. Negado provimento ao recurso extraordinário. Maioria.

Um cuidado deve ser aqui tomado: pode sim o Promotor fazer sua investigação, já que precisa de dados (prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria) para oferecer a denúncia, mas isso não se confunde com exercer a presidência do Inquérito Policial, atribuição exclusiva da autoridade policial, o Delegado de Polícia. Caso haja um Inquérito aberto, pode sim o Promotor acompanhar esta investigação, requerendo diligências, mas nunca presidir o Inquérito em si. Veja-se o §6º do art. 2º lei 12.830/13: § 6º - O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

Considerando estas informações, pergunta-se: se o Promotor está participando ativamente em Inquérito Policial ou se abriu uma investigação própria, poderá ele oferecer a denúncia para este caso concreto? Sim, é o que diz a súmula 234 STJ. A dúvida existe exatamente por se questionar se o Promotor deve ou não ser imparcial. Tendo em vista que sua imparcialidade é sui generis, que representa ele o interesse de punir do Estado, entende-se que sua participação na investigação não o torna suspeito ou impedido, já que estaria ali apenas preparando o exercício da própria função (já existente) de denunciar.

Diferente seria o caso de se ver um Juiz de Direito fazendo ou participando de uma investigação, situação em que teríamos, aí sim, uma afronta mais direta ao sistema acusatório, apesar de vozes em contrário. Não obstante, a súmula se refere apenas aos membros do Ministério Público.

NOTAS: 

[1] Sistema este que prega a separação das funções de acusar, defender e julgar de forma estrita. Assim, se é o Promotor o dono da ação, seria ele quem delineia e delimita a sua denúncia e o seu conteúdo, não podendo o órgão julgador ir além do que é ali pedido.

[2] Esta afirmação está mais próxima de um "dever ser" que de um "ser", na medida em que, na prática, lamentavelmente, é incomum se ver Promotores preocupados com a situação do réu. "Este é o papel da defesa", pensa a maioria. Um mal entendimento do papel a desempenhar ou mesmo o receio de serem acusados de prevaricação são as razões principais para esta postura.