Súmula 396 STF - Para a ação penal por ofensa à honra, sendo admissível a exceção da verdade quanto ao desempenho de função pública, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que já tenha cessado o exercício funcional do ofendido.

Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.

Comentários: vamos por partes. Primeiramente, façamos uma introdução geral sobre a calúnia e a exceção da verdade. Após isso, comentaremos a súmula. Vejamos.

Dentre os crimes contra a honra existentes no ordenamento (calúnia, difamação e injúria), em regra, o único que admite a exceção da verdade é o crime de calúnia, previsto no art. 138 CP: Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa[1].

É a situação em que João diz que viu José furtando uma bolsa, na Avenida Paulista, numa quarta-feira, às 19h, quando, na verdade, José estava de viagem neste exato momento. Ou seja, João está imputando a José, falsamente, a prática de um crime. A lei penal, visando proteger a honra de José, permite que este impetre uma queixa-crime contra João, por crime de calúnia.

Mas e se, de fato, José cometera o crime que João diz? Veja a situação, mas agora sendo verdade o que João alega. João diz que viu José furtando uma bolsa, na Avenida Paulista, numa quarta-feira, às 19h, e isso é mesmo verdade. José, envergonhado que está, quer mostrar para todos os seus amigos e parentes que João está mentindo, e oferece uma queixa-crime por calúnia contra João. Entretanto, sabemos que é verdade o que João disse. Então, este poderá oferecer a chamada "exceção da verdade", que é a possibilidade de provar que José realmente cometeu o crime, e que é ele quem deve responder pelo furto e não João por calúnia. Assim, oferecida a queixa contra João, este irá informar em juízo que tem provas da ocorrência do furto, abrindo-se o procedimento da exceção da verdade.

A exceção da verdade (exceptio veritatis) é um incidente processual e prejudicial, ou seja, sua análise precede à análise da ação principal e prejudica a verificação do mérito. O réu do processo de calúnia pode querer provar efetivamente que o "caluniado" cometera o crime ou se defender diretamente do processo (dizer que não caluniou). A exceção da verdade é um benefício à sociedade, pois a lei penal visa proteger a honra, não a dissimulação de criminosos. É interesse coletivo e público saber da ocorrência dos crimes, logo, admite-se a exceção da verdade. Aquele que era autor da ação de calúnia poderá virar réu quanto ao crime que realmente cometeu.

Além disso, perceba que o tipo penal de calúnia exige que a imputação seja falsa. Se esta for verdadeira, haverá atipicidade até mesmo formal, não podendo o réu no processo de calúnia ser mesmo condenado.

O momento oportuno para a manifestação da exceção de verdade é o do oferecimento da resposta à acusação. Como se trata de competência do JECRIM, farei a resposta oral e direi que tenho a prova da verdade.

Estas são as considerações gerais sobre a calúnia e a exceção da verdade. E o que a súmula vem dizer?

A súmula trata de pessoas que possuem prerrogativa de foro, ou seja, sujeitos que, ao serem processados criminalmente, serão julgados por órgãos distintos do que seria a maioria dos cidadãos. Se João comete um crime, será julgado por um Juiz de Direito da comarca onde o fato ocorreu, em regra. Contudo, se João é um Desembargador, seu julgamento não será feito por este Juiz, mas sim pelo Superior Tribunal de Justiça. São regras de competência existentes em nosso ordenamento, concordando-se ou não com elas.

Então, imagine a seguinte situação. João diz que José praticou, em 7 de agosto de 2021, durante seu trabalho, às 16h, um crime de peculato. José é Desembargador. José, inconformado com as palavras de João, impetra uma queixa-crime contra João. João é um cidadão como qualquer outro, então, este processo correrá na comarca do local do fato, diante de um Juiz de Direito de 1º grau. Acontece que João tem provas de que o Desembargador José realmente cometeu o peculato, e diz que irá apresentar a exceção da verdade. Como José é um Desembargador, todos os crimes que ele cometer durante o exercício de suas funções serão julgados pelo Superior Tribunal de Justiça. Então, a exceção da verdade que está sendo apresentada por João também deverá ser julgada pelo Superior Tribunal de Justiça, já que se trata de pessoa (José) com prerrogativa de foro. E isso mesmo que José já esteja aposentado ou não mais exercendo seu cargo de Desembargador. Se o crime que ele cometeu foi durante suas funções, é no STJ que deverá ser julgada a exceção da verdade apresentada por João. É isso que diz a súmula: para a ação penal por ofensa à honra, sendo admissível a exceção da verdade quanto ao desempenho de função pública, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que já tenha cessado o exercício funcional do ofendido.

Para aproveitarmos o contexto, é importante lembrar que se o Desembargador José tivesse cometido seu crime após findo seu cargo, ele perderá sua prerrogativa de foro, logo, será julgado no juízo de 1º grau, como qualquer outro cidadão que não possui esta prerrogativa. É a ideia de que a prerrogativa é do cargo, e não do sujeito, logo, acabou o cargo, acabou a prerrogativa para os atos praticados a partir dali. É o que diz a súmula 451 STF: A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional.

NOTAS:

[1] É admitida exceção da verdade para o crime de difamação quando este se refere a condutas atinentes ao exercício de função de servidor público. Contudo, como a súmula em pauta fala de prerrogativa de função, entendemos que ela se refere apenas à calúnia, único que imputa a prática de crime ao sujeito. Como a prerrogativa de foro se refere à competência para julgamentos criminais, é apenas ao crime de calúnia que a exceção da verdade poderá gerar tal prerrogativa.