Súmula 522 STJ - A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.

Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.

Comentários: em primeiro lugar, vamos diferenciar dois crimes existentes no Código Penal. O primeiro é o que a súmula cita, o chamado crime de falsa identidade, previsto no art. 307 CP: Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave. A situação é de fácil entendimento. João se identifica como Pedro Henrique, para não descobrirem que ele está foragido.

Não obstante ser fácil o seu entendimento, este crime pode se ver como de difícil ocorrência prática, uma vez que, em regra, o que o agente cometerá é o outro crime com o qual queremos aqui fazer a comparação, o crime de uso de documento falso, do art. 304 CP: Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração. Seria o caso de alguém ter fabricado um RG falso para o cidadão e este se utiliza do mesmo, para obter suas vantagens. Anda com seu RG por aí, apresentando-o como se original fosse.

Veja a seguinte situação. João é parado numa blitz. João é foragido da Polícia e, quando abordado pelo policial, em regra, será questionado sobre seu documento, não sobre seu nome. E, quando João apresenta ao policial o seu documento de identidade falso, estará cometendo o crime do art. 304, e não o do art. 307. O crime do art. 307, por sua vez, ocorreria na situação de o sujeito não ter documento consigo (e isso fora verificado com uma revista feita no corpo do cidadão) e, perguntado sobre seu nome, ele afirma ser Pedro Henrique, e não João. Faria isso porque é foragido da justiça e está tentando se manter no anonimato, por exemplo. Aí sim, neste caso, o sujeito comete o crime do art. 307 (falsa identidade).

E o que a súmula vem dizer? Que, caso o sujeito assim proceda, não poderá alegar como defesa o seu direito de não autoincriminação. Isso porque não existe propriamente um "direito a não identificação", mas sim um direito a "não autoincriminação". Explica-se.

Quando do interrogatório, seja policial ou judicial, o investigado ou réu é questionado em duas categorias de perguntas[1]:

  • Perguntas sobre a sua identificação;
  • Perguntas sobre o fato contra ele atribuído.

O direito ao silêncio e a tolerância à mentira só estão presentes na segunda categoria de perguntas, as referentes ao fato criminoso eventualmente praticado. Quanto às perguntas atinentes à residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa etc., deverá o sujeito dizer a verdade.Portanto, o que a súmula vem afirmar não é propriamente que haja uma relativização à garantia da não autoincriminação, mas, sim, especialmente, reforçar que tal direito não afasta a obrigatoriedade de identificação civil original e correta.

Do RE 640.139 (Rel. Min. Dias Toffoli), surgiu a seguinte tese: o princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP).

É importante ressaltar que tal conduta também será criminosa se praticada perante qualquer outra autoridade ou situação, não apenas perante a polícia. A súmula reforçou o que lhe é mais comum, mais corriqueiro, porque é a polícia, em regra, quem tem o primeiro contato com aquele que pratica tais crimes.

Por fim, devemos lembrar que a nova lei de crimes de abuso de autoridade trouxe esta mesma situação criminosa, mas para o lado daquele que efetua a prisão de alguém. Assim diz o art. 16 da lei 13.869/19: Art. 16. Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso por ocasião de sua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

NOTAS:

[1] É o art. 187 CPP quem divide o interrogatório desta forma. Apenas no que diz respeito ao parágrafo segundo é que pode o réu ou investigado se silenciar. Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. § 2o Na segunda parte será perguntado sobre: I - ser verdadeira a acusação que lhe é feita; II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou depois dela; III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta; IV - as provas já apuradas; V - se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas; VI - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido; VII - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração; VIII - se tem algo mais a alegar em sua defesa.