Súmula 568 STF - A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente.

Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.

Comentários: a primeira questão que se põe é saber o que é uma identificação criminal e por que ela existe.

A identificação das pessoas se dá, civilmente, por diversas formas: nome, sobrenome (para a procedência familiar), registro geral (R.G), cadastro de pessoas físicas (CPF), dentre tantos outros documentos. Isso existe para que se tenha segurança nas relações intersubjetivas. A vida em sociedade se veria travada e passível de muita insegurança caso não pudéssemos ter a certeza de que aquela pessoa que está conosco contratando um serviço, por exemplo, é exatamente quem ela diz ser. É necessário ter esta certeza para se responsabilizar (corretamente) este sujeito no caso de algum descumprimento de contrato (responsabilidade civil privada) ou mesmo para que o Estado o faça administrativamente (aplicação de multa de trânsito, por exemplo) ou até criminalmente (imposição de penas).

Essa é, portanto, a regra geral: as pessoas já são identificadas através das formas previstas em lei. Essa é a identificação civil dos cidadãos, que serve para todos os fins, inclusive para responsabilização criminal das mesmas. Isso mesmo: somos processados criminalmente usando-se de nossas identificações civis existentes (nome, RG, CPF, endereço, estado civil etc.).

O problema começa a surgir quando esta identificação civil é duvidosa ou inexistente. Imagine a situação de um sujeito que, pego em flagrante pela polícia, apresenta um documento de identidade falso ao Delegado; ou que apresenta um documento ilegível, não havendo qualquer outra forma de identifica-lo. É neste tipo de situação que, em regra, se admite a identificação criminal. Essa, portanto, serve como suprimento, como alternativa à identificação civil inexistente ou defeituosa. É ela fundamental para que se evite a responsabilização criminal equivocada, de uma pessoa que não cometera o crime. É obediência, portanto, ao princípio da responsabilização individual ou intranscendência da pena, segundo o qual "a pena não poderá passar da pessoa do condenado" (art. 5º, XLV CR).

Como se dará esta identificação criminal? A pessoa poderá ser identificada de três formas:

  • Processo datiloscópico - coleta das impressões digitais;
  • Fotografia;
  • Coleta de material biológico - para casos ainda mais restritos.

É a lei 12.037/09 quem cuida da identificação criminal e é ela quem traz estas formas de identificação, em seu art. 5º: Art. 5º - A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação. Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.

As hipóteses em que a identificação criminal poderá ocorrer estão previstas no art. 3º desta mesma lei:

Art. 3º - Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando:

I - o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;

II - o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado;

III - o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si;

IV - a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;

V - constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;

VI - o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.

Parágrafo único. As cópias dos documentos apresentados deverão ser juntadas aos autos do inquérito, ou outra forma de investigação, ainda que consideradas insuficientes para identificar o indiciado.

Vê-se, portanto, que apenas em casos excepcionais é que será feita a identificação criminal. Por que é assim? Ora, porque se trata de um constrangimento: ter uma identidade criminal pode significar, em muitos casos, a morte social do indivíduo, e, se o mesmo já tem sua identidade civil que cumpre com seu papel, não haveria por que o identificar criminalmente, seria um trabalho inútil e desnecessário e, portanto, constrangedor. É obediência à Constituição, em seu art. 5º, LVIII: LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei. Com as partes negritadas, vê-se que a lei 12.037 veio cumprir seu papel de regular esta excepcional forma de identificação.

Sabendo-se isso, pergunta-se: por que existe uma súmula que diz que "a identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente"? O enunciado desta súmula é de 1976, anterior à Constituição. Assim, devemos lê-la hoje da seguinte forma: está claro na Constituição que se admite, sim, a identificação criminal nos casos que a lei o permitir, e apenas nestes casos. Sendo a situação concreta condizente com aquilo que está previsto na lei, não há que se falar em constrangimento, uma vez que a lei maior do país o permite (nosso limite material de aplicação do Direito).

Não se pode querer defender que esta súmula, hoje, desobedece à proibição de produção de provas contra si mesmo (autoincriminação), prevista, entre outros documentos, no art. 8º, item 2, alínea "g" da Convenção Americana de Direitos do Homem: 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.

Isso porque a Constituição já fez uma ponderação, fazendo coexistirem tanto o direito de não se incriminar (art. 5º, LXIII), de fazer valer sua identidade civil (na medida em que a criminal é excepcional) e de se atender ao interesse público em se punir apenas o verdadeiro autor do crime. Em outros termos: relativiza-se o constrangimento de se fazer uma identidade criminal em nome do interesse público na persecução penal eficiente e correta. Assim, a Constituição traz como regra a proibição da identidade criminal, caso a identidade civil cumpra seu papel, mas permite a mesma nas situações que a lei trouxer, papel já feito (constitucionalmente) pela citada lei 12.037/09.