Súmula 575 STJ - Constitui crime a conduta de permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa que não seja habilitada, ou que se encontre em qualquer das situações previstas no art. 310 do CTB, independentemente da ocorrência de lesão ou de perigo de dano concreto na condução do veículo.

Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.

Comentários: a súmula se refere ao crime previsto no art. 310 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB):

Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança:

Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

A conduta criminosa é muito clara. João está com sua CNH (Carteira Nacional de Habilitação) suspensa, porque já fora condenado criminalmente uma vez e, naquela ocasião, recebeu, como efeito de sua condenação, a suspensão de dirigir veículo automotor. Maria possui um carro em seu nome e entrega-o a João para ele lhe fazer alguns favores na rua. Maria comete o crime em pauta. Sim, um crime que nunca entrará para as estatísticas, mas que existe. Outro exemplo, mais corriqueiro, é de Fernando, que está numa balada com Augusto. Augusto está completamente embriagado e, por estar com sua nova acompanhante, pede a Fernando que lhe empreste o carro para poder sair com a menina. Fernando, vendo o estado de embriaguez de Augusto, entrega o carro assim mesmo. Comete este crime do art. 310, e Augusto comete o crime de dirigir veículo sob a influência de álcool[1].

Estas são as situações mais prováveis, em nosso entender. Uma outra situação, que não está tipificada neste artigo, e que também é muito comum, seria o caso de entregar o veículo para aquele que está com sua CNH vencida. A pessoa é habilitada, mas o prazo de validade de sua habilitação expirou. Sua habilitação não foi cassada nem suspensa, apenas venceu. Quem lhe emprestou o carro não cometerá este crime em pauta, por falta de previsão legal expressa e clara (lembre-se: só será crime se a conduta concreta se amoldar perfeitamente - subsunção - ao fato descrito na norma - a isso se chama "taxatividade penal").

Entendido como que ocorre este crime, pergunta-se: o que a súmula vem dizer?

Segundo a súmula, este crime do art. 310 CTB é um crime de perigo abstrato[2]. Isso significa que, iniciada a direção do veículo automotor, aquele que o emprestou já poderá responder pelo art. 310, independentemente da ocorrência de um acidente, de um perigo para um pedestre (que quase foi atropelado, por exemplo), ou qualquer outra situação periculosa concreta. O crime de perigo abstrato já pressupõe, por si só, a situação perigosa, não exigindo, no caso concreto, a ocorrência da mesma. O contrário ocorre com os crimes de perigo concreto, que exigem a ocorrência de uma situação perigosa real para que se tipifique a conduta. Um exemplo, aqui mesmo do CTB, de crime de perigo concreto, é o art. 309: Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa. Se não ocorrer alguma situação perigosa efetivamente, o sujeito responderá apenas em âmbito administrativo, não com este crime do art. 309.

Em resumo: para ocorrência do crime do art. 310 CTB, é dispensável a ocorrência de um dano ou perigo de dano real, concreto, na situação fática.

NOTAS:

[1] Previsto no art. 306 CTB: Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

[2] É absolutamente questionável a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, pois eles partem de uma presunção absoluta de que, uma vez praticada a conduta, o perigo efetivamente ocorrera. Isso, muitas vezes, não é verdade, o perigo sequer ocorre. Estaríamos aí diante de um crime que não ocasionou perigo algum, ferindo-se a ideia de lesividade e proporcionalidade da criminalização de condutas. Não há espaço neste texto para maiores aprofundamentos, mas, em regra, os Tribunais Superiores têm admitido a sua criminalização.