Súmula 593 STJ - O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.

Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.

Comentários: esta súmula, de 2017, já fora reproduzida pelo legislador, no ano de 2018, que trouxe o §5º ao art. 217-A CP: § 5º - As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018).

Portanto, o conteúdo da súmula, evidentemente, é válido, mas, por já ter havido a sua reprodução legal, perde em utilidade. O diferencial ainda persiste quando diz "existência de relacionamento amoroso com o agente", não trazido pelo parágrafo quinto acima citado. Em suma, juntando-se o que a lei e a súmula 593 STJ dizem, temos que haverá sim crime de estupro de vulnerável, independentemente se:

  • Houve consentimento da vítima para a prática do ato;
  • A vítima tenha experiência sexual anterior;
  • A vítima tenha relacionamento amoroso com o agente.

Na verdade, desde 2009, em nosso entender, já não poderia haver mais dúvidas sobre o assunto, pois desde este ano é que existe o crime de estupro de vulnerável, que possui a seguinte redação: Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

Observe a diferença para o crime de estupro do art. 213 CP: Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

O crime de estupro de vulnerável apenas traz os verbos "ter" e "praticar" como núcleos do tipo. Basta ter conjunção carnal (penetração pênis-vagina) ou praticar qualquer ato libidinoso (atos para satisfação sexual de qualquer tipo) com pessoa de 13 anos ou menos. Assim, não importa se esta pessoa de 13 anos consentiu, queria o ato ou implorou para o autor do crime que com ela tivesse relações sexuais, pois, para a lei, basta ter qualquer ato libidinoso e responderá pelo crime. Já o crime de estupro (do art. 213) é que exige constrangimento com violência ou grave ameaça. Neste sim, por evidente, se houve consentimento, significa que não houve o constrangimento, logo, não haveria o crime.

A redação atual, portanto, não deixa espaço para questionamentos. Acontece que, antes desta nova redação, havia posicionamentos referentes a uma presunção relativa de constrangimento, quando a vítima era menor de 14 anos. A dúvida existia em decorrência de interpretações anteriores a 2009, por possíveis excludentes extralegais de ilicitude existentes à época (como o consentimento da vítima), como se observa no EResp 1152864/SC, Rel. Min. Laurita Vaz:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. ARTS. 213 C.C 224, ALÍNEA A, DO CÓDIGO PENAL, NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI N.º 12.015/2009. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. CONSENTIMENTO DAS VÍTIMAS. IRRELEVÂNCIA. INCAPACIDADE VOLITIVA. PROTEÇÃO À LIBERDADE SEXUAL DO MENOR. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA EXAME DAS DEMAIS TESES VEICULADAS NA APELAÇÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.
1. A literalidade da Lei Penal em vigor denota clara intenção do Legislador de proteger a liberdade sexual do menor de catorze anos, infligindo um dever geral de abstenção, porquanto se trata de pessoa que ainda não atingiu a maturidade necessária para assumir todas as consequências de suas ações. Não é por outra razão que o Novo Código Civil Brasileiro, aliás, considera absolutamente incapazes para exercer os atos da vida civil os menores de dezesseis anos, proibidos de se casarem, senão com autorização de seus representantes legais (art. 3.º, inciso I; e art. 1517). A Lei Penal, por sua vez, leva em especial consideração o incompleto desenvolvimento físico e psíquico do jovem menor de quatorze anos, para impor um limite objetivo para o reconhecimento da voluntariedade do ato sexual.
2. A presunção de violência nos crimes contra os costumes cometidos contra menores de 14 anos, prevista na antiga redação do art. 224, alínea a, do Código Penal, possui caráter absoluto, pois constitui critério objetivo para se verificar a ausência de condições de anuir com o ato sexual. Não pode, por isso, ser relativizada diante de situações como de um inválido consentimento da vítima; eventual experiência sexual anterior; tampouco o relacionamento amoroso entre o agente e a vítima.
3. O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento "quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, a obstar a pretensa relativização da violência presumida." (HC 105558, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 22/05/2012, DJe de 12/06/2012). No mesmo sentido: HC 109206/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 18/10/2011, DJe 16/11/2011; HC 101456, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/03/2010, DJe 30/04/2010; HC 93.263, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe 14/04/2008, RHC 79.788, Rel. Min. NELSON JOBIM, Segunda Turma, DJ de 17/08/2001.

Para sanar qualquer dúvida sobre o assunto, o STJ editou a súmula 593.