Súmula 720 STF - O art. 309 do CTB, que reclama decorra do fato perigo de dano, derrogou o art. 32 da Lei das Contravenções Penais no tocante à direção sem habilitação em vias terrestres.
Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.
Comentários: dirigir sem a devida habilitação é uma infração administrativa, que sujeita o agente ao pagamento de multa de trânsito. Disso todos sabem. Mas, o que nem todos sabem é que esta conduta, para além de ser um ilícito administrativo, também já foi um ilícito penal, uma contravenção penal (não é mais, ao menos para o STF). Esta contravenção está prevista (sim, ainda está em vigor) no art. 32 da Lei de Contravenções Penais (LCP): "Art. 32. Dirigir, sem a devida habilitação, veículo na via pública, ou embarcação a motor em águas públicas: Pena - multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis".
Segundo a súmula do STF, com o advento do art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), a parte do art. 32 LCP referente ao veículo automotor em via terrestre (carro, ônibus, motos etc.) fora derrogada, ou seja, houve aí uma revogação de parte do art. 32, restando válida ainda a parte referente às embarcações. Vejamos o art. 309 CTB: "Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa".
O que o STF entendeu foi que o art. 309 CTB trouxe a regulação total da matéria no tocante aos veículos terrestres, havendo exclusão tácita desta parte do art. 32 LCP. O art. 309 CTB já teria trazido, então, aquilo que considera como relevante para fins penais, deixando o restante para a seara administrativa. Ou seja: está implícito, para o STF, que tudo aquilo que regula a direção sem habilitação em matéria penal (como o art. 32 LCP) fora derrogado pelo art. 309 CTB. Não discordamos deste posicionamento, pois ele obedece a uma ideia geral de intervenção mínima: "deixar a nomenclatura 'criminal' apenas para casos graves". Mas, pensamos haver outra possível forma de interpretação.
Veja o leitor que o art. 309 CTB só considera como crime se, da conduta de dirigir sem habilitação, advier um perigo concreto de dano. Podemos interpretar no seguinte sentido: o legislador quis que esta conduta seja criminosa, mas, manteve o art. 32 LCP para os casos em que não haja perigo concreto. Ou seja, seria crime (art. 309 CTB) se da direção sem permissão adviesse um perigo concreto; e seria contravenção o simples fato de dirigir sem habilitação, não ocorrendo o perigo concreto. Haveria, sim, proporcionalidade de tratamento.
Entretanto, pensamos que o STF acertou em deixar os casos menos significativos para a seara exclusivamente administrativa, merecendo o status penal apenas aquilo que significativamente ofenda ou ponha a perigo de ofensa bens jurídicos fundamentais.
Então, o que temos hoje, segundo o STF?
- Dirigir veículo terrestre sem a devida habilitação não é uma contravenção penal, e sim uma infração administrativa;
- Dirigir sem a devida habilitação pode ainda ser contravenção penal, mas apenas no caso de dirigir embarcações em águas públicas;
- Dirigir sem a devida habilitação só será crime (art. 309 CTB) se disso decorrer um perigo concreto de dano (quase atropelou um pedestre, por exemplo), única situação em que se observa, proporcionalmente, o status penal merecido.