Súmula Vinculante 45 - A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual.

Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.

Comentários: a súmula vinculante 45 adveio de uma conversão da súmula 721 do Supremo Tribunal Federal (STF), que possui a mesma redação. Esta foi convertida naquela, vinculando os demais Tribunais e órgãos administrativos do país.

A Constituição da República (CR) prevê, em seu art. 5º, XXXVIII, alínea "d", que o julgamento dos crimes dolosos contra a vida caberá ao Tribunal do Júri:

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Por outro lado, a mesma Constituição traz o foro por prerrogativa de função para diversos agentes políticos e públicos. Em crimes cometidos por Desembargadores de Tribunais, por exemplo, o julgamento caberá, originariamente, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em crimes cometidos por Juízes de Direito, o julgamento caberá ao respectivo Tribunal de Justiça ao qual está vinculado. Tudo isso previsto, respectivamente, nos artigos 105 I, "a" e 93, III CR:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

Art. 96. Compete privativamente:

III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

Há diversos outros casos de foro por prerrogativa de função previstos na Constituição. O que nos importa é perceber o conflito que está surgindo neste cenário.

Imagine a situação de um Juiz de Direito cometendo um homicídio doloso. Possui ele foro (Tribunal de Justiça) e o crime cometido deveria ser julgado no Júri. Entretanto, como estabeleceu o STF, na súmula em pauta, deve prevalecer a competência do foro por prerrogativa de função, ou seja, o Juiz, neste exemplo, deve ser julgado originariamente pelo Tribunal de Justiça, não pelo Júri. Por que é assim? Aplica-se, no caso, o princípio da especialidade, isto é, considera-se a regra prevista para os agentes políticos e públicos (como o caso do Juiz) mais específica, especial, em relação à regra de competência do Júri, sobre esta prevalecendo.

O mesmo raciocínio se aplica para o Desembargador e qualquer outro agente com a prerrogativa prevista na Constituição. Cometendo um aborto, homicídio, infanticídio ou auxílio ao suicídio, de forma dolosa, em princípio, será julgado pelo Tribunal de competência originária (STJ, no caso do Desembargador), não pelo Júri.

Por que destacamos o termo "em princípio"? Por duas razões. Vejamos.

Em primeiro lugar, em razão do que diz diretamente a súmula vinculante 45. Se a Constituição que prevê o foro por prerrogativa de função for uma Constituição Estadual, e não a Federal, o agente será julgado pelo Tribunal do Júri, uma vez que esta competência é prevista na norma maior do país, prevalecendo sobre a norma prevista na Constituição local. Exemplo: um Secretário de Estado, que possui foro previsto apenas na Constituição Estadual, ao cometer um homicídio doloso, será julgado pelo Júri, e não pelo Tribunal que o julgaria para os demais casos criminais.

Em segundo lugar, em razão da Questão de Ordem na Ação Penal n. 937 (cujo conteúdo disponibilizamos ao final deste texto). Nela, o Supremo traz a tese de que "a prevalência do foro por prerrogativa sobre o Júri só se justifica se o crime praticado tiver motivações e relações com a função exercida". Então, se o Desembargador se envolveu em briga de trânsito e, por isso, matou alguém dolosamente, será julgado pelo Júri, não pelo STJ, uma vez que seu crime não tem relação com sua função. Mas, se pratica o ato contra um advogado, numa sessão de julgamento, em razão de comportamento que considerou como "inadequado" por parte daquele profissional, responderá por homicídio doloso junto ao Tribunal de competência originária (o STJ, no caso). Tudo isso faz sentido, pois a razão da existência do foro é a proteção da função, não da pessoa que a exerce.

Sabendo desta tese, já podemos concluir que os demais crimes dolosos contra a vida (aborto, infanticídio e auxílio ao suicídio) dificilmente (para dizer o mínimo) serão julgados pelo Tribunal de competência originária, pois não terão, em regra quase absoluta, relação com a função exercida pelo(a) agente público(a).

Em resumo, podemos concluir que:

  • Se há crime doloso contra a vida relacionado à função exercida e há prerrogativa de foro prevista na Constituição Federal, o agente responderá junto ao Tribunal de competência originária, não no Júri;
  • Se há crime doloso contra a vida não relacionado à função exercida e há prerrogativa de foro prevista na Constituição Federal, o agente responderá junto ao Tribunal do Júri;
  • Se há crime doloso contra a vida, relacionado ou não à função exercida, e a prerrogativa de foro está prevista apenas na Constituição Estadual, o agente responderá junto ao Tribunal do Júri.

Por fim, aos interessados no aprofundamento, segue o conteúdo da Questão de Ordem 937 STF.