Súmula Vinculante 56 - A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.

Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.

Comentários: não é incomum a falta de vagas para presos em determinados regimes de cumprimento de pena. Se formos pensar empiricamente, na verdade, em todos os regimes de cumprimento (fechado, semiaberto e aberto) há falta de vagas, o que torna a execução da pena no Brasil uma execução ilegal em numerosos casos. Deixando de lado a falta de vagas no regime fechado (o mais severo de todos), esta súmula obriga (trata-se de súmula vinculante) aos Juízes da Execução de todo o país a procederem de determinado modo quando se deparam com a falta de vagas no regime semiaberto e aberto.

Imagine a situação em que um sujeito fora condenado ao cumprimento de pena em regime semiaberto. Segundo o Código Penal (art. 33, §1º) e a LEP (art. 91 a 95), este regime deve ser cumprido em uma colônia agrícola, colônia industrial ou em algum estabelecimento similar. Suponha que não haja vagas (ou que sequer existam estes estabelecimentos) no local onde fora dada esta sentença. Este sujeito não poderá cumprir sua pena no regime fechado, alegando o Juiz a ausência de vagas para o semiaberto.

Isso seria caso de excesso da execução, pois viola a legalidade das penas a sua respectiva individualização, tendo-se em vista o art. 1º e 3º LEP: Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Em suma: a execução é um reflexo, um espelho da sentença ou decisão dada. Temos aí um verdadeiro limite à execução, que não poderá atingir nada além do que está previsto na decisão judicial. Não só a sentença, evidentemente, será o limite da execução. Num Estado em que o governo é das leis, e não dos homens (Estado de Direito), toda atuação estatal deve se limitar àquilo que é previsto legalmente. Tanto a lei como a sentença são, portanto, os limites da execução a ser concretizada contra o condenado.

Se a sentença foi de condenação ao regime semiaberto, é lá que ela deve ser cumprida. Entretanto, não há vagas, então, como fazer? A súmula determina que se aplique as orientações que foram estabelecidas no RE 641320/RS, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 11/05/16, com repercussão geral (Info 825).

Neste recurso extraordinário, estabeleceu-se a seguinte solução: em caso de novo condenado ao regime semiaberto, ou em caso de progressão de regime para o semiaberto, o Estado deverá liberar um preso que já estivesse cumprindo sua pena neste regime. Isso mesmo. Por óbvio, se sai um sujeito que já esteja cumprindo pena, uma vaga irá surgir para aquele que acaba de ser condenado ou acaba de progredir. Em termos claros: "sai um para poder entrar outro".

Exemplo: João acaba de progredir para o regime semiaberto, mas não há vagas. Marcos, que já cumpria pena no regime semiaberto, progredirá antecipadamente, para que João possa ali cumprir sua pena. Marcos (que iria para o regime aberto só daqui a 1 ano) irá progredir agora, e João entra no semiaberto. Dá-se a oportunidade para uma nova pessoa cumprir a pena no regime adequado e, àquele que ali já estava cumprindo e que tinha bom comportamento, dá-se a oportunidade de se ver livre daquele regime.

Mas e se a ausência de vagas se dá no regime aberto? O regime aberto deve ser cumprido em casa de albergado (apesar de não existir de fato). Neste caso, para além da liberação de vaga acima prevista, o RE diz que poderá o Juiz substituir a privação da liberdade do sujeito pelo cumprimento de uma pena restritiva de direitos, ou o obrigar ao estudo. Exemplo: Ricardo tem o direito de progredir para o regime aberto. Não há mais vagas nas casas de albergado (local do cumprimento deste regime) na comarca da condenação. Ricardo poderá receber do Juiz o benefício de cumprir sua pena como pena restritiva de direitos, ou se obrigar a fazer um curso.

Além disso, o sentenciado ou aquele que progride antecipadamente também poderão receber prisão domiciliar, com vigilância eletrônica monitorada, se assim entender mais prudente o Juízo da Execução, que é quem deverá avaliar todas as peculiaridades de sua localidade. Vejamos o teor do RE 641.320/RS:

Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como "colônia agrícola, industrial" (regime semiaberto) ou "casa de albergado ou estabelecimento adequado" (regime aberto) (art. 33, § 1º, alíneas "b" e "c"). No entanto, não deverá haver alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado. Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado.

Pode o leitor estar se questionando: como se dará esta escolha de quem sairá para dar lugar a outro? O juiz deverá analisar um requisito subjetivo (bom comportamento) e o requisito objetivo, referente a se averiguar quem estava mais próximo de conseguir a sua progressão de regime ou finalização da pena. Ao leitor, tudo isso pode soar como "gambiarra jurisprudencial". Na verdade, trata-se de esforço do Judiciário tentando solucionar um problema do Poder Executivo (a falta generalizada de vagas e o caos penitenciário vivido por grande parte do país).

Quando se diz "problema do Executivo", não estamos afirmando que é deste Poder a culpa pela situação da falta de vagas nos diversos Estados brasileiros. Possuem, sim, suas responsabilidades, entretanto, quem pede a condenação e quem condena, muitas vezes indiscriminadamente e inutilmente, são, respectivamente, Ministério Público e Judiciário, não aplicando a intervenção penal mínima. Baseiam-se, inclusive, no punitivismo populista muitas vezes defendido e posto em lei pelo outro Poder, o Legislativo. Há que se ter, de fato e empiricamente, uma política criminal mínima e séria em todo o país.