Súmula Vinculante 11 - Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.

Comentários: editou o STF esta súmula vinculante na tentativa de se evitar os diversos abusos e constrangimentos pelos quais passavam alguns presos. A legislação nacional prevê, no art. 199 LEP, o seguinte: Art. 199. O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal. O decreto que regulamenta este uso é o decreto 8.858/16, que possui esta redação:

Art. 1º O emprego de algemas observará o disposto neste Decreto e terá como diretrizes:

I - o inciso III do caput do art. 1º e o inciso III do caput do art. 5º da Constituição , que dispõem sobre a proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana e sobre a proibição de submissão ao tratamento desumano e degradante;

II - a Resolução nº 2010/16, de 22 de julho de 2010, das Nações Unidas sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok); e

III - o Pacto de San José da Costa Rica, que determina o tratamento humanitário dos presos e, em especial, das mulheres em condição de vulnerabilidade.

Art. 2º É permitido o emprego de algemas apenas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros, justificada a sua excepcionalidade por escrito.

Art. 3º É vedado emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.

Há diversos julgados do STF (o que é um requisito para a edição de uma súmula vinculante), e grande parte deles vai no sentido de confirmar estas diretrizes citadas no decreto. Além disso, enfatiza o STF que o uso indiscriminado das algemas pode até mesmo ser prejudicial ao réu, especialmente no caso do júri, tendo-se em vista a sua má influência na imagem do réu para os jurados: (...) Ora, estes preceitos - a configurarem garantias dos brasileiros e dos estrangeiros residentes no País - repousam no inafastável tratamento humanitário do cidadão, na necessidade de lhe ser preservada a dignidade. Manter o acusado em audiência, com algema, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade, significa colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior, não bastasse a situação de todo degradante. O julgamento no Júri é procedido por pessoas leigas, que tiram as mais variadas ilações do quadro verificado. A permanência do réu algemado indica, à primeira visão, cuidar-se de criminoso da mais alta periculosidade, desequilibrando o julgamento a ocorrer, ficando os jurados sugestionados. HC 91.952, voto do rel. min. Marco Aurélio, P, j. 7-8-2008, DJE 241 de 19-12-2008.

A súmula é clara, de fácil entendimento e visa coibir eventuais abusos por autoridades (especialmente policiais) na atuação concreta. Não somos alienados com relação à dureza da atividade policial e entendemos, sim, que há momentos em que o uso das algemas se justifica pela própria periculosidade do indivíduo. E isso já é trazido na súmula, quando prevê que se legitima o seu uso quando há "perigo à integridade física própria ou alheia". Este perigo se justifica em diversas situações concretas que já são, por si só, altamente perigosas para o agente policial. É o caso, por exemplo, de estar o agente em operação em "território inimigo" e esteja prendendo um traficante de 22 anos de idade. Ainda que esteja desarmado, o contexto concreto é de perigo para a polícia, justificando-se, em princípio, o uso das algemas.

Por outro lado, já tivemos a oportunidade de perguntar a uma Juíza Presidente de um Tribunal do Júri o porquê de estar o réu algemado, se havia alguma justificativa concreta para tanto. A resposta que recebemos foi: "Pois é, a gente fica numa situação bem delicada aqui". Imagino eu a situação delicada do réu, Excelência. Estamos aí diante de um local totalmente vigiado pelo Estado, com diversos policiais às portas, não havendo, portanto, um contexto concreto de perigo, não se justificando, em princípio, o uso das algemas.

Então, quais as situações em que a súmula admite o uso das algemas? São elas:

  • Resistência à prisão;
  • Fundado receio de fuga;
  • Fundado receio à integridade física de qualquer pessoa: do preso, de terceiros ou policiais.

Qual a formalidade que a súmula exige em todo caso de uso de algemas? Que se fundamente o seu uso por escrito. Quanto a esta fundamentação escrita, diz Renato Brasileiro: "Da leitura da súmula vinculante n. 11 do STF depreende-se que, sendo necessária a utilização de algemas, seja para prevenir, impedir ou dificultar a fuga do capturando, seja para evitar agressão do preso contra policiais, contra terceiros ou contra si mesmo, será indispensável a lavratura de auto de utilização de algemas pela autoridade competente. O ideal é que este auto de utilização de algemas seja lavrado tão logo efetuada a captura do agente, nos mesmos moldes em que se lavra o chamado auto de resistência. No entanto, a depender das circunstâncias do caso concreto, nada impede que a menção à situação fática que legitimou o uso de algemas seja feita no bojo do próprio auto de prisão em flagrante delito. De todo modo, caso isso não seja possível (v.g., hipótese em que o capturando tenha que ser transportado para outra cidade), nada impede que essa justificativa seja lavrada quando da chegada do indivíduo à delegacia de polícia."[1]

E quais as consequências possíveis para o caso de desrespeito à súmula?

  • Responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade - são instâncias autônomas e independentes, não havendo que se falar em "bis in idem", isto é, pode sim o agente responder com todas estas espécies de sanções;
  • Nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere - quanto à nulidade de ato processual, segundo jurisprudência do STF, para a sua decretação deve ter havido prejuízo à defesa. (...) é de registrar-se, tal como assinalado pelo Ministério Público Federal em seu douto parecer, que o uso injustificado de algemas em audiência, ainda que impugnado em momento procedimentalmente adequado, traduziria causa de nulidade meramente relativa, de modo que o seu eventual reconhecimento exigiria a demonstração inequívoca, pelo interessado, de efetivo prejuízo à defesa (...). Rcl 16.292 AgR, voto do rel. min. Celso de Mello, 2ª T, j. 15-3-2016, DJE 80 de 26-4-2016;
  • Responsabilidade civil do Estado - responsabilidade objetiva do Estado, sem necessidade de se provar dolo ou culpa do agente que se equivocou no uso das algemas. Não obstante, caso o Estado, posteriormente, queira processar seu agente, o fará em ação de regresso, devendo aí provar o dolo ou culpa de seu servidor (responsabilidade subjetiva, em ação de regresso).

BIBLIOGRAFIA:

[1] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de jurisprudência criminal - volume único. 2ª ed. São Paulo: Juspodivm, 2022, p. 258.