Foi preso há poucos dias, por que já está solto?

02/06/2021

Essa, talvez, seja a pergunta que mais ouvimos enquanto assistimos a um telejornal ou em roda de conversa com amigos. Basta nos verem chegando e já começam as perguntas sobre a soltura de "fulano".

A resposta é realmente simples: a liberdade é a regra, estar preso é exceção.

Para entender (ou mesmo aceitar) que "fulano" foi solto passados apenas 7 dias de sua prisão, convido o leitor a, todas as vezes que se deparar com uma notícia deste tipo, imaginar um único momento de sua vida: o seu parto. Sim, imagine o seu parto.

Contrações, dilatações, saco amniótico estourado, expulsão do feto e, pronto, você respirou. Para o Direito, você já tem vida, já existe. Para o Direito Penal, além de existir, você é um ser absolutamente inocente.

Ora, você acabou de nascer, não pode ter cometido nenhum crime, certo? Exatamente! Esta é a sua situação, uma situação de inocência, seu estado de inocência, sua presunção de inocência. Viu de onde surge o famoso princípio da presunção de inocência? Sim, do seu parto, do fato de você nascer sem crime, sem qualquer culpa.

Este estado de inocência perdura até sua morte. Quem quiser provar que este estado desapareceu, que você não é mais inocente, vai ter que trazer as provas, vai colocá-las sobre a mesa para nós debatermos. Uma pessoa (chamada "Juiz") vai decidir sobre o que acha destas provas e, se te condenou, mesmo assim, seu estado, sua situação de inocência ainda não desapareceu. Você ainda irá recorrer para que outros Juízes (chamados "Desembargadores" ou "Ministros", a depender do Tribunal) decidam. Depois de todos eles decidirem (o chamado "trânsito em julgado do processo"), aí sim, você perdeu aquela situação de inocência.

É por isso que a Constituição prevê a presunção de inocência desta forma, em seu art. 5, inciso LVII: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Ora, se no meu processo ainda não acabou a discussão (não houve o trânsito em julgado, o fim dos recursos), eu ainda sou inocente, então, por que eu estaria preso? Esta, sim, é a pergunta a se fazer. Ao invés de perguntarmos "por que fulano foi solto?", deveríamos nos questionar "ora, por que já está preso se o processo nem começou ainda?". Daí que "a liberdade é a regra, estar preso é exceção".

"Mas eu vi na TV! Ele recebeu a propina!" Veja, mesmo que ele tenha recebido um malote de dinheiro, ele ainda é inocente, exatamente porque é necessário distinguir: uma coisa é ter recebido o malote (sim, você viu); outra coisa é se concluir que o recebimento daquele malote advém de uma conduta criminosa, ou seja, que aquilo ali é uma propina. Apenas após os debates no processo (chamada "instrução processual") e findo todos os recursos é que se terá concluído se foi crime ou não: há muita coisa para analisar!

Mas, então, por que alguns ficam presos antes de acabarem os recursos? Porque, nestes casos, existe uma necessidade processual ou social, uma necessidade de resguardar o processo ou a sociedade. Por exemplo, o sujeito está ameaçando testemunhas que podem depor contra ele: para que o processo não seja prejudicado por conta destas ameaças, ele pode vir a ser preso, se necessário. É a chamada prisão preventiva, que possui hipóteses de cabimento legalmente previstas, no art. 312 do Código de Processo Penal: Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.

Veja que não é uma prisão que ocorre por causa da culpa do indivíduo, pois ele continua inocente. É uma prisão que ocorre por necessidade de se resguardar o processo, a ordem econômica, um perigo social etc., nada além disso. E só nestes casos é que se pode admitir a prisão de um inocente, nenhum outro.

A nossa pressa em querer logo uma condenação, ou que o processo ande rapidamente são compreensíveis. Mas, não podemos passar por cima dos direitos (que nós mesmos temos) para ver a lei penal aplicada.