Súmula 574 STJ - Para a configuração do delito de violação de direito autoral e a comprovação de sua materialidade, é suficiente a perícia realizada por amostragem do produto apreendido, nos aspectos externos do material, e é desnecessária a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou daqueles que os representem.

Autor: Marcel Figueiredo Gonçalves.

Comentários: primeiramente, é necessário sabermos a que crime se refere esta súmula. Trata-se do crime de violação de direito autoral, previsto no art. 184 CP, mais especificamente em seu parágrafo segundo:

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.

É o crime popularmente conhecido como "pirataria". Sim, aquelas vendas de CD's e DVD's que ocorrem a céu aberto em todo o país, por incrível que possa parecer, são condutas criminosas. Mas, por enquanto, vamos nos ater ao que quer dizer a súmula e qual é a sua perspectiva sobre esta conduta. Após isso é que faremos algumas breves considerações críticas sobre o assunto. Vamos lá.

A súmula faz referência à materialidade do crime do art. 184, §2º CP. Ou seja, está ela dizendo quando que o crime terá efetivamente ocorrido, quando que terá efetivamente se consumado.

Para a comprovação da consumação de um crime que deixa vestígios materiais (como é o caso aqui), o Código de Processo Penal exige que seja feita a perícia sobre o objeto material do crime, isto é, que seja feita a perícia sobre o chamado "corpo de delito" para que se possa comprovar que, realmente, o crime ocorreu. É o art. 158, "caput", CPP que traz esta disposição: Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Qual é o vestígio deixado pelo crime de pirataria? O próprio produto falsificado, em regra CD's e DVD's. É necessário que haja um perito para constatar que houve, de fato, uma falsificação do produto, consumando-se o crime.

E aqui uma observação deve ser feita. Em regra, o CPP exige a presença de um perito oficial para a realização do exame e, caso não haja um perito oficial na localidade, que a perícia seja feita por duas pessoas idôneas. É o art. 159, §1º CPP quem diz: Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. § 1o - Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.

Acontece que esta regra não se aplica para esta situação de crime de violação de direitos autorais. Isso porque este crime possui procedimento específico no CPP, isto é, quando de sua ocorrência serão sim aplicadas todas as disposições gerais do CPP, salvo se houver algo próprio em seu procedimento. E, aqui, há sim algo próprio sendo dito em relação aos peritos que podem realizar o exame de corpo de delito: na ausência de perito oficial, não há necessidade de duas pessoas realizarem o exame, basta uma. É o que diz o art. 530-D, CPP, um dos dispositivos que trata do procedimento especial para este crime: Art. 530-D. Subsequente à apreensão, será realizada, por perito oficial, ou, na falta deste, por pessoa tecnicamente habilitada, perícia sobre todos os bens apreendidos e elaborado o laudo que deverá integrar o inquérito policial ou o processo.

E onde a súmula entra neste assunto? Entra exatamente para dizer que esta perícia a ser realizada (por perito oficial ou por uma única pessoa idônea) poderá ser feita em apenas um (ou alguns) dos objetos apreendidos, ou seja, não precisa ser feita em todos os objetos, basta pegar uma amostragem. Isso porque muitas apreensões policiais ocorrem sobre uma quantidade massiva de produtos (centenas ou milhares) e exigir que haja perícia em cada um dos objetos seria tornar a tarefa pericial impraticável. Claro que a amostragem deverá vir acompanhada de outros elementos, como fotos dos demais produtos, por exemplo, mostrando que são iguais ao que fora objeto da perícia. Já é suficiente para se ter a consumação (materialidade) deste crime.

Mas não é só isso que a súmula diz sobre a perícia. Diz a súmula que a perícia pode ser feita apenas sobre aspectos externos do produto, da amostragem. Ao se periciar um DVD, por exemplo, poderá o perito indicar que as cores da capa do DVD não são iguais às do respectivo produto original; poderá também observar que não há um selo que garanta a autenticidade do material etc. Isso porque o conteúdo do produto (aspecto interno do material) falsificado é o mesmo, ao menos em regra, do conteúdo do produto original, logo, a análise pode se limitar sim aos aspectos externos dos objetos.

E, por fim, a súmula também dispensa a identificação dos titulares dos direitos autorais violados ou daqueles que os representem (produtora de CD's ou DVD's). Isto é, não há necessidade de os titulares dos direitos autorais ou da produtora dos produtos fazerem parte do processo ou intervirem de alguma forma. Isso porque a súmula (assim como a lei) considera que há aí interesse coletivo e público na apreensão destes produtos, uma vez que, em tese, impostos estão deixando de ser arrecadados, crimes podem ser praticados e terem relação com este meio, e assim sucessivamente.

É isso o que a súmula vem dizer.

Em nossa visão, há que repensarmos sobre se é mesmo o interesse público que está em jogo quando se criminaliza uma conduta como esta. Ou seria interesse apenas das grandes produtoras (e suas arrecadações bilionárias se esvaindo)? Ou seria interesse apenas dos artistas? Dizer que impostos deixam de ser arrecadados é o mesmo que afirmar que a pessoa que está pagando R$5,00 por um DVD pirata estaria pagando R$90,00 pelo original, o que é um argumento bastante duvidoso (argumento de Túlio Lima Vianna). Também seria o mesmo que afirmar que foi eu, comprador de um único DVD, responsável pelos milhões não arrecadados. Se formos combater condutas "socialmente danosas", que o façamos de forma intelectualmente honesta, transparente e atendendo ao interesse (realmente coletivo) de acesso à cultura e informação. Para não nos alongarmos, recomendamos a leitura de nosso artigo exatamente sobre esta questão, presente em nosso site, intitulado "Vendedor ambulante, contrafação de mídias e acumulação: a discrepância de um fundamento", no setor "publicações". Não nos deixemos enganar por falsos argumentos. 

Acesse: Vendedor Ambulante, Contrafação de Mídias e Acumulação: a discrepância de um fundamento.